É POSSIVEL SAIR DO EURO DUMA FORMA CONTROLADA?

SAIR DO EURO É UM QUEBRA CABEÇAS

Moeda Única Fracasso dos resgates reforça euroceticismo e coloca em cima da mesa cenários alternativos de rutura que implicam enormes custos sociais e económicos

 

Texto daniel do rosário,

jorge nascimento rodrigues

e sônia M. lourenço

Ilustração Miguel seixas/who


Sair da zona euro é um quebra-cabeças, mas permanecer nela come­ça a ser um pesadelo em muitos países-membros.

A fadiga social e política face aos resulta­dos depressivos prolon­gados das terapias de austeridade e a recente decisão do Eurogrupo de confiscar depósitos e passar a pronunciar-se sobre o "modelo de ne­gócio" das economias de países-membros tem aumentado o euroceticismo e o tema da saída voltou à ribalta.

 

A questão bateu, de novo, à nossa por­ta.

E se Portugal acabar por ter de sair do euro porque a fatura do ajustamento é incomportável, é possível uma saída "controlada"? João Ferreira do Amaral, professor catedrático aposentado do Ins­tituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e autor do livro "Porque devemos sair do euro — o divórcio necessário pa­ra tirar Portugal da crise", acredita que sim.

Com uma condição-chave diploma­ticamente árdua: o apoio das institui­ções europeias.

O professor acredita que acabaria por ser um jogo de soma positi­va para Portugal e para os outros parcei­ros do "clube".

Mas, uma saída controla­da exige outra condição, que, para João Ferreira do Amaral, ainda não existe: uma situação estabilizada na zona euro.

 

Cenário de catástrofe

 

A crença não é partilhada por Ricardo Reis, professor da Universidade de Columbia, em Nova Iorque: "Nas condi­ções atuais, não acredito que fosse possí­vel uma saída ordeira."

E liquida as es­peranças de que seria um passeio tran­quilo: "Virá sempre com medidas ainda mais extremas do que as vividas na Ar­gentina há pouco mais de dez anos e em Chipre há uma semana.

" Ricardo Reis vai mais longe e traça um cenário de catástrofe: "Com a crise atual, se Portu­gal saísse do euro teria, provavelmente uma recessão enorme nos primeiros 6 a 12 meses.

A taxa de desemprego saltava vários pontos repentinamente, os pre­ços nos supermercados aumentavam 20% a 40%, o Estado teria dificuldades em pagar salários na função pública e pensões no curto prazo e o sistema fi­nanceiro seria todo destruído."

 

Um dos maiores problemas da saída passa pelas "pressões inflacionárias, de­vido à forte emissão monetária por Por­tugal para evitar o incumprimento gene­ralizado nos empréstimos bancários, a somar ao processo de desvalorização da moeda", alerta Miguel St. Aubyn, profes­sor catedrático do lSEG.

O contexto po­deria escorregar para uma deriva hiperinflacionária que "muito provavelmen­te iria anular os efeitos positivos da desvalorização sobre a competitividade da economia".

Ricardo Cabral, da Universi­dade da Madeira, contesta, também, o argumento da vantagem de desvalori­zar moeda própria para ganhar competi­tividade: "A evidência de diversos países sugere que tais efeitos são temporários e ilusórios.

Os efeitos redistributivos se­riam muito negativos — as empresas e indivíduos próximos do poder, com aces­so a informação privilegiada, e os que tenham ativos financeiros no exterior, veriam a sua riqueza expressa na nova moeda multiplicar-se de um dia para ou­tro.

" Marc Chandler, vice-presidente e responsável pela estratégia de divisas da Brown Brothers Harriman, em Nova Ior­que, diz-nos, com ironia, que "os povos dos países 'periféricos' da zona euro compreenderam melhor do que os dou­torados que a desvalorização não é ne­nhuma arma milagrosa, pois há proble­mas no tecido económico interno e na conjuntura internacional que podem im­pedir um disparo das exportações".

 

Um imbróglio diplomático

 

Sair do euro é, também, um imbróglio jurídico. A possibilidade de um país abandonar a zona euro não está prevista nos tratados europeus. O que não signifi­ca que seja impossível. "No limite é uma decisão política", resume António Vitori-no, ex-comissário europeu, que recorda que só com o Tratado de Lisboa foi cria­do o enquadramento jurídico para que_ um país possa sair da União Europeia. Vitorino fala também de um "efeito do­minó", um temor que levou a troika a optar por não "amputar cirurgicamen-" te" a Grécia no final de 2011.

Em Bruxelas, o discurso oficial é qye o euro é "irreversível" e o tema das saí-" das é tabu. Para Olivier Bailly, porta--voz da Comissão Europeia, essa afir­mação traduz um apoio político incon­dicional ao projeto de moeda única, mas também a convicção de que "a ade­são ao euro é um processo irreversí­vel". Caso um país decida pôr em causa esta conceção, para Bailly o papel da Comissão é claro: "Tentaríamos con­vencer o país em causa a não dar esse passo, explicando os inconvenientes e desvantagens de tal decisão."

 

 

GUIA PARA SAIR DO EURO

João Ferreira do Amaral calcula em 30% a desvalorização cambial necessária para tirar Portugal da crise e define cinco pilares para & saída controlada da zona euro

•  Manutenção do valor em euros dos depósitos na banca lusa.

O Estado honraria a sua dívida em euros.

Esta garantia seria dada pelas autoridades nacionais e comunitárias, em conjunto

•  Preservação do balanço dos bancos: os créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização desta

•  Evitar o incumprimento generalizado à banca: o Estado substituir-se aos devedores no montante do aumento da dívida em moeda nacional que resultasse da desvalorização. Um acréscimo de dívida pública interno e financiado através de empréstimos junto do Banco de Portugal

•  Manutenção da nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação a uma taxa de referência face ao euro

• Cooperação europeia: novo empréstimo a Portugal, para honrar a dívida do Estado e sustentar a balança de pagamentos até a desvalorização cambial ter efeitos positivos no reequilíbrio das contas externas.

O BCE renovaria durante algum tempo a dívida dos bancos portugueses e criaria uma facilidade especial, temporária, de crédito aos bancos, para reagir de imediato a qualquer sintoma de pânico na transição

 

Não obstante, caso um país decida de forma soberana fazê-lo, António Vitori­no explica que seria necessário "notifi­car os parceiros e instituições euro­peias da sua intenção e chegar a acordo sobre os respetivos termos".

Sob anoni­mato, um jurista da Comissão aceita es­pecular sobre as consequências práti­cas da decisão, voluntária ou forçada, de um país abandonar o euro.

"Prova­velmente seria necessário seguir de for­ma inversa toda a metodologia de ade­são, negociar com o Banco Central Eu­ropeu e os demais parceiros, negociar taxas de câmbio, preparar a saída do eurossistema e da supervisão bancária europeia, entre muitas outras coisas", diz esta fonte, para concluir que "não é uma coisa que se possa fazer de um dia para o outro".

Para Vitorino, uma saída, mesmo "controlada", implicaria o empe­nho de muito "capital político e diplomá­tico do país" que o ex-comissário preferi­ria utilizar de outra forma: "Forçar à mu­dança das regras do jogo e da nossa si­tuação no quadro da moeda única."

 

"Só com alguma bonomia se pode­rá falar de saídas controladas ou ordeiras", afirma, por seu lado, Daniel Bessa, diretor-geral da COTEC Portugal.

Um cenário que "qualquer português com mais de 40 anos sabe bem o que significa (com taxas de inflação próximas dos 30% e taxas de juro acima dos 30%), parecendo-me extraordinário que algum desses portugueses queira regressar a esses tempos", argumenta o eco­nomista, que é perentório: "Uma eventual saída de Portugal do euro, num fu­turo mais ou menos próxi­mo, seria, para mim, a der­rota definitiva de uma ge­ração."

 

Bola do lado da Europa

 

Francisco Louçã, professor catedrático do ISEG e ex-líder do Bloco de Esquerda, não tem dúvidas de que a saí­da do euro, "na configuração realista que hoje teria (ou seja, uma expulsão por força da Ale­manha), seria uma péssima solu­ção".

Contudo, deixa um alerta: "A crise da liderança europeia, de novo revelada no caso de Chipre, e a degradação da economia europeia tornam mais provável a desagrega­ção do euro, e é preciso prepararmo-nos para isso."

Por isso, "um governo de esquerda teria de estar preparado pa­ra o controlo de capitais, para renego­ciar a dívida e para todas as ameaças, incluindo a saída do euro, de modo a poder aplicar uma política para garan­tir a proteção dos salários e das pen­sões", defende.

 

Ricardo Reis também não hesita em pôr o dedo na ferida ao referir-se à Eu­ropa: "Se a política económica europeia dos últimos três anos tivesse sido mais adequada, e não tão desastrada, a ques­tão da saída do euro não estaria sequer a ser colocada.

" Para Constantin Gurd-giev, professor no Trinity College, em Dublin, a agravar-se a situação na zona euro, o preferível, de facto é "facilitar as saídas de um conjunto de países 'perifé­ricos' num jogo em que o melhor resul­tado é uma solução de cooperação en­tre todos os envolvidos".

Soluções híbri­das, como alguns defendem, "com dois sub-blocos de euro, um euro forte e um eurito de segunda classe, só oferecerão uma melhoria marginal e temporária, pois há um abismo, por exemplo, entre a Grécia e a Irlanda, além de que o con­trolo de capitais que seria necessário no sub-bloco do euro fraco agravaria ainda mais a situação a longo prazo".

com isabel vicente economia@expresso.impresa.pt



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