
ARREPENDIDOS DO FURACÃO

ARREPENDIDOS
DO FURACÃO
Ana Paula Azevedo
paula.azevedo@sol.pt
SOL consultou os primeiros 16 dos 8O processos da Operação Furacão que são agora públicos. Arguidos «demonstraram arrependimento» e pagaram os devidos impostos. A adesão ao esquema de evasão fiscal era prática comum.
Os primeiros processos resultantes da Operação Furacão -- a maior investigação de sempre levada a cabo pelo Ministério Público na área do crime económico-financeiro - chegaram ao fim, passados nove anos.
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) tornou públicos os primeiros 16 processos - de um total de 80 em que a investigação foi dividida -, que tiveram como arguidos 20 empresas e os 33 respectivos administradores. Clientes do esquema admitiram tudo em interrogatório - «com demonstração de arrependimento», segundo o DCIAP -, tendo por isso beneficiado da figura legal da suspensão provisória do processo. Ou seja, a acusação de fraude fiscal foi-lhes suspensa por dois anos, não seguindo para julgamento, na condição de pagarem ao Fisco os impostos em falta e de não praticarem mais ilícitos nesse período.
Cumpridas estas regras, e passados esses dois anos, os processos foram arquivados, tendo o Estado aqui encaixado cerca de 27 milhões de euros, de IRC e IRS.
Pela lista de arguidos (ver infografia), constata-se como o esquema estava generalizado e era uma prática comum: há empresas dos mais variados sectores (da construção e consultadoria aos têxteis e calçado, das tintas e iluminações públicas a laboratórios de análises) e das maiores às mais pequenas.
Algumas trabalharam no mesmo período para o Estado - como a F9 Consulting, ligada a um adjunto do ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, que em 2006 efectuou estudos para a Estradas de Portugal sobre a introdução de portagens nas SCUT.
Esquema usado desde meados dos anos 90
Nos despachos destes 16 processos, os procuradores do DCIAP - coordenados por Rosário Teixeira - referem nalguns casos ter encontrado provas de que os arguidos aderiram ao esquema desde «meados da década de 90».
A investigação, porém, só pôde debruçar-se sobre os anos de 2001 a 2007: os factos anteriores estão prescritos.
Recorde-se que o Furacão teve início em 2004, na sequência de um alerta das autoridades do Reino Unido, que detectaram uma série de empresas neste país com sede na mesma morada e uma facturação muito elevada a firmas portuguesas.
O caso tornou-se público em Outubro de 2005, quando, em apenas sete dias, o DCIAP, a Polícia Judiciária e a Inspecção Tributária efectuaram cerca de 100 buscas - que incluíram visitas a um escritório de advogados e aos bancos BES, BCP, BPN e Finibanco - todos suspeitos de serem coniventes e disponibilizarem os meios para a fraude.
Nestes 16 processos agora tornados públicos, que o SOL consultou, todos os arguidos admitiram terem tomado conhecimento do esquema por uma das seguintes empresas: Planfín (do grupo SLN/BPN, que tinha como administrador Luís Caprichoso, o 'braço-direito' de Oliveira Costa), Esger (do Grupo Espírito Santo e encabeçada por João Graça), PIC (consultora liderada por Mário Castro). Finatlantic (escritório ligado à criação do Banco IFI, em Cabo Verde), Glemvay (de João Graça) e IFS (International Fiscal Services).
Identificadas pelo DCIAP como «promotoras dos esquemas de fraude», arquitectaram um engenhoso esquema finaliceiro: criaram na Irlanda e Reino Unido sociedades de fachada, que apenas serviam para emitir facturas relativas a mercadorias - na maioria inexistentes e noutros casos com o valor muito empolado - compradas pelas empresas nacionais.
Estas 'pagavam' às sociedades no estrangeiro os valores facturados e registavam as facturas falsas na sua contabilidade como custo, assim diminuindo os lucros sujeitos a imposto.
As promotoras do esquema pegavam no dinheiro recebido pelas sociedades fictícias no estrangeiro e transferiam-no para contas bancárias de outras sociedades que entretanto tinham criado em zonas offshore e das quais eram últimos beneficiários os gestores das empresas portuguesas clientes.
Por este 'serviço' - que chegavam a apresentar como «produto financeiro» ou de «planeamento fiscal» - a Planfin, a PIC e outras cobravam habitualmente 5% dos valores facturados e transferidos.
Nos primeiros processos, foram recuperados 27 milhões de euros de IRS e IRC. No final, o Furacão deverá render ao Estado 136 milhões
Fundos de reserva e pagamento a administradores
Segundo os despachos do DCIAP, os gestores arguidos aderiram por razões diversas.
Nos casos da Loja do Gato Preto e da MD Moldes (de Leiria), por exemplo, o dinheiro não declarado ao Fisco ficava no estrangeiro, funcionando como uma espécie de «fundo de reserva» para eventuais dificuldades das empresas.
Na Iber Oleff (Leiria), o dinheiro resultante do esquema de facturação falsa ia para um fundo, à disponibilidade dos administradores (entre os quais o empresário Henrique Neto).
Outras, como as têxteis Tebe (Barcelos) e Orfama (em Braga, que em Janeiro despediu 100 trabalhadores), começaram por utilizar este circuito de sobrefacturação para poderem pagar «comissões a intermediários estrangeiros» fornecedores, mas entretanto passaram a usá-lo como forma de remunerar os seus administradores.
Já a construtora Zagope aderiu para «fazer face à necessidade de justificar despesas feitas no estrangeiro», para as quais não tinha documentação.
No grupo madeirense AFÃ, a engenhoca financeira disponibilizada pela IFS Consultant and Management serviu também para empolar custos, entre 5% e 15%, quer com mercadorias de que necessitavam (como peças e consumíveis para máquinas), quer com «serviços fictícios».
Entre 2001 e 2005, o grupo AFÃ contabilizou facturas no valor global de 40,5 milhões de euros.
Cerca de 16 milhões foram para contas dos administradores em bancos na Suíça.
A regularização tributária custou-lhes 3,4 milhões, em IRC e IRS.
O resto do dinheiro voltou a Portugal, tendo sido «reinvestido» nas empresas.
Segundo o último balanço da Operação Furacão, há mais 50 processos, com um total de 150 arguidos (86 empresas e 117 gestores), em que foi aplicada a suspensão provisória do processo por dois anos.
O DCIAP só os tornará públicos passado esse tempo, mas já revelou que, no final, o Estado deverá ter recuperado 136 milhões milhões de euros com esta investigação.
Quanto aos promotores do equema, entre eles os bancos, deverão ser alvo de acusação em breve - estando em causa crimes de abuso de confiança gravada e de branqueamento de capitais, além de fraude fiscal qualificada.