
Chipre
E VOCÊ, DEPOSITA CONFIANÇA NESTA SOLUÇÃO?
(1) 15 de MARÇO
Início das longas reuniões que terminam já na madrugada seguinte com o plano A do resgate de Chipre que incluía imposto sobre todos os depósitos bancários na ilha acima de €20.000.
Valores acima de € 100.000 tinha corte superior (9,9%) mas todos eram chamados a contribuir.
(2) 16 MARÇO
Bancos fecham para evitar corrida aos depósitos e apenas caixas 'multibanco´continuam em funcionamento.
É o início de um encerramento bancário que durará quase duas semanas e deixa cipriotas à beira de um ataque de nervos.
(3) 19 MARÇO
Parlamento de Nicósia rejeita plano A com 36 votos contra 19 abstenções.
Não se registou qualquer voto a favor da proposta.
Governo de Chipre foi obrigado a encontrar rapidamente um plano B perante a ameaça do BCE de retirar liquidez aos bancos.
(4) 20 MARÇO
O ministro das Finanças. Nichael Sarris, parte para Moscovo para tentar conseguir um novo financiamento russo e também a renegociação do empréstimo de € 2,5 mil milhões que já tinha sido concedido.
Regressa ao seu país sem sucesso.
(5) 24 MARÇO
Em contrarelógio, a Europa, o FMI e o Chipre tentam chegar a uma solução.
Nicósia apresenta um plano C, que passa pela reestruturação de dois bancos, convence a troika e o resgate é depois discutido no Europgrupo cuja reunião esteve suspensa várias horas à espera de uma decisão.
(6) 25 MARÇO
Eurogrupo dá luz verde à solução que prorege depósitos até €100 mil e aplica perdas nos superiores a este patamar apenas nos dois bancos reestruturados (Laiki e Banco de Chipre).
Banca continua fechada até quinta-feira e movimentos limitados
E VOCÊ, DEPOSITA CONFIANÇA NESTA SOLUÇÃO?
Resgate de Chipre inaugura perdas para depositantes e controlo de capitais. A crise da zona euro está a entrar numa nova era.
Texto joão silvestre, jorge nascimento rodrigues
e DANIEL DO ROSÁRIO, em Bruxelas
"Quando os russos saírem quem irá pagar 500 dólares por noite no Four Seasons?
A Angela Merkel?", perguntava um empresário cipriota citado esta semana pelo "Financial Times".
Na verdade, Rússia, bancos e domiciliação de empresas são quase um sinónimo naquela ilha do Mediterrâneo oriental.
"Chipre é um local para poupanças da classe média russa e de criação de empresas.
A verdadeira vantagem competitiva para os russos não são os depósitos, mas a domiciliação de holdings (empresas gestoras de participações).
Os capitais nos bancos giram para a Suíça, Reino Unido, Países Bálticos e até Hong Kong.
Mas as holdings ficam", diz a empresária russa Natalia Lazareva, uma doutorada em economia que vive num vaivém entre Nicósia e Moscovo.
A domiciliação de empresas permite "uma faturação triangular nos diversos negócios e o reinvestimento na Rússia", completa Petia Tanova, da Frederick University, em Chipre.
O país é a terceira origem de investimento direto estrangeiro na Rússia, depois do Luxemburgo e Reino Unido.
Este papel de plataforma — similar ao que Hong Kong e Singapura repre¬sentam para a China — levou ao engordamento do sector bancário que representa oito vezes o produto interno bruto (PIB).
Mais elevado, na zona euro, só o Luxemburgo, com 21 vezes.
Por isso, reestruturar este "modelo de negócio", como lhe chamou depreciativamente Angela Merkel, vai ter consequências sérias. As previsões da Société Générale apontam para uma queda de 20% do PIB até 2017.
O Nobel da Economia Paul Krugman avisou mesmo que o melhor era Chipre sair do euro.
No entanto, os cipriotas temem essa opção, diz Natalia Lazareva, com "medo da reação da Turquia".
A solução final encontrada pelo euro-grupo para 'salvar' Chipre é inédita numa zona euro já habituada a resgates.
Foi abandonada a ideia original de aplicar um imposto sobre todos os depósitos, mas no novo desenho os depositantes com contas acima de €100 mil no Banco de Chipre e no Laiki vão perder parte substancial do seu dinheiro (ver detalhes).
O problema mais grave, diz Petia Tanova, é isso afetar seriamente as empresas, pois as contas correntes não foram poupadas. Nem ficam de fora ativos financeiros (como ações) depositados nos bancos.
Ao mesmo tempo, depois de dez dias com os bancos sujeitos a um corralito (balcões encerrados), as portas foram ontem reabertas, mas com um apertado controlo de capitais para já por uma semana, outra novidade na zona euro onde a livre circulação de capitais é um pilar essencial.
Um novo modelo de resgate
No entanto, o facto novo de impacto mais duradouro é a imposição de perdas a acionistas, credores e depositantes.
Até agora, nos muitos bancos ajudados desde o início da crise, a solução tem sido diferente.
Provavelmente, o modelo cipriota passará a ser a regra.
Foi isso que o presidente do eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, afirmou na segunda-feira, o que provocou um vendaval de indignação, e o levou a recuar.
Mas, na verdade, a imposição de perdas a acionistas e credores é a base de trabalho de uma proposta de diretiva apresentada pela Comissão Europeia, em junho de 2012.
Isso mesmo foi referido terça-feira por uma porta-voz do executivo comunitário, que recordou que, de acordo com a proposta em causa, "não se exclui que os depósitos superiores a €100 mil possam ser elegíveis" no quadro de um resgate.
Chipre terá servido de cobaia.
Foi também em Junho do ano passado que os 27 estabeleceram o princípio de que os bancos em dificuldades poderão ser recapitalizados pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade, mas deixando claro que deve ser o último recurso.
Paul de Grauwe, economista belga e colunista do Expresso, diz que esse vai ser mesmo o modelo futuro (ver entrevista). Petia Tanova alvitra que, na lista, o seguinte poderá ser a Eslovénia.
E Dijsselbloem avisou Luxemburgo e Malta.
Contudo, os dois países onde o abalo mais se fez sentir foram Itália e Espanha, com perdas bolsistas importantes.
Portugal foi, também, afetado, com os juros a dez anos a subirem para redor dos 6,5%, à hora de fecho desta edição..
Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, sublinha que a associação "tem-se batido, designadamente em Bruxelas, para que todos os depósitos fiquem excluídos do bail-in, pelos riscos sistémicos que tal acarreta".
O caso de Chipre é "único" e "não se pode extrapolar para outros Estados-membros cujo sistema financeiro está estável",
com isabel vicente
jsilvestre@expresso.impresa.pt
Paul de Grauwe Prof. London Schoolof Economics
"UNIÃO BANCÁRIA ESTÁ MORTA ANTES DE NASCER"
O economista belga e colunista do Expresso não tem dúvidas de que a solução encontrada para Chipre é péssima e que só vem aumentar o risco de novas crises.
Os depositantes portugueses que se preparem, avisa De Grauwe, porque se Portugal vier a necessitar de resgates no futuro serão chamados a participar com parte das suas contas bancárias.
P. Este resgate de Chipre é uma boa solução? É melhor do que a original?
R. Ê melhor do que a original mas continua a ser uma má solução.
Porque dá um sinal para o resto da zona euro de que os depositantes de um país que necessite de apoio financeiro terão de pagar. E isso cria um enorme risco.
Cada vez que houver receio de uma situação desse tipo haverá também uma crise bancária porque as pessoas irão aos bancos converter os depósitos em dinheiro.
Resolveu-se a crise de Chipre aumentando a probabilidade de crises futuras.
Ou seja, tornámos todo o sistema mais frágil e instável.
É uma péssima solução guiada pela vontade de a Alemanha evitar que os seus contribuintes tivessem de pagar.
P. Foi essa a principal razão?
R. Foi a única razão.
P. Este tipo de solução pode mesmo ser usada noutros países, mesmo que não tenham um sistema financeiro sobredimensionado como Chipre?
R. Claro que será usado.
É um novo regime.
O ministro das Finanças holandês, embora seja um tonto, disse a verdade.
Isso desestabiliza todo o sistema.
É uma ideia realmente doida.
P. Países em crise como Portugal devem estar preocupados?
R. Claro que sim.
Estas coisas acontecem.
Acabou-se com a proteção dos depósitos em Chipre para resolver um problema alemão.
Se, no futuro, Portugal tiver problemas novamente será sujeito a medidas deste tipo.
É uma terrível solução.
É uma vergonha.
P. Qual seria a solução adequada? Um resgate tradicional?
R. Exatamente.
A solução que os alemães aplicaram ao seu próprio sistema bancário.
A Alemanha nunca aceitaria que os seus bancos fossem tratados como os bancos cipriotas foram.
E usam o dinheiro dos contribuintes se necessário.
P. Se a união bancária estivesse já em funcionamento poderia ter ajudado?
R. Não existe nenhuma união bancária.
Isso implica a vontade de partilhar os custos de uma crise bancária.
Os países europeus não querem nada disto.
A união bancária está morta antes de ter nascido.
P. Esta crise de Chipre vem acabar com os meses de calma proporcionados pelo anúncio do programa OMT do BCE no verão passado?
R. É possível que sim.
O compromisso do BCE será testado.
Não basta disparar um único tiro, é necessário demonstrar essa determinação no futuro.
joão silvestre jsilvestre@expresso.impresa.pt