
GOVERNO BLOQUEADO PORTAS TRAVA MEDIDAS QUE PASSOS, QUERIA ANUNCIAR JÁ E ATRASA REFORMA ANUNCIADA

GOVERNO BLOQUEADO
PORTAS TRAVA MEDIDAS QUE PASSOS, QUERIA ANUNCIAR JÁ E ATRASA REFORMA ANUNCIADA
José António Lima
jal@sol.pt
Bastidores da mais longa reunião do Governo, e as decisões que não foram tomadas.
Passos Coelho e Vítor Gaspar queriam antecipar já cortes de 60O milhões nas reformas estruturais do Estado. Mas Portas atrasa o guião e quer evitar cortes nos apoios sociais.
Adiaram-se, mais uma vez, as reformas estruturais» - foi o desabafo de um dos ministros à saída da longa maratona de 11 horas (das 15h da tarde às 2h da madrugada) em que se converteu a reunião do Conselho de Ministros de quarta-feira.
Reunião que estava destinada a aprovar as medidas de cortes na despesa de 1.200 milhões de euros, para ultrapassar os chumbos do Tribunal Constitucional (TC) no Orçamento do Estado deste ano.
A ideia inicial, transmitida no final da passada semana por Passos Coelho e Vítor Gaspar, era a de afastar qualquer novo aumento de impostos e obter a compensação aos cortes do TC com uma redução de 600 milhões nos gastos correntes de todos os ministérios.
E de outros 600 milhões através da antecipação de algumas medidas do pacote de 4.000 milhões das reformas estruturais calendarizadas para 2014 e 2015.
E se a primeira parcela de 600 milhões contava, à partida, com a resistência sectorial de cada um dos ministros, forçados a efectuar um novo aperto de contenção no funcionamento já debilitado e restritivo dos seus serviços, a segunda fatia de 600 milhões visava cortes ainda mais severos no funcionalismo público - pensões, vencimentos no regime de mobilidade e horário de trabalho, entre outros.
E prometia desencadear uma enorme onda de protestos nas ruas, tanto das organizações sindicais como dos partidos da oposição. Que iria, ainda por cima, cair em cima das comemorações do 25 de Abril e do 1.° de Maio.
Passos Coelho avisara, aliás, o Conselho Nacional do PSD do passado sábado: «As medidas que aí vêm são muito duras e vão levantar muita contestação».
As objecções de Portas
No entanto, da parte do CDS e de Paulo Portas surgiram objecções e bloqueios à antecipação imediata dos cortes de 600 milhões em reformas que afectarão fortemente os funcionários públicos e os apoios da Segurança Social.
Não só o ministro de Estado e líder do CDS vem adiando, há mais de três semanas, o guião que se comprometeu a apresentar sobre a redução dos 4.000 milhões na reforma do Estado, como fez notar - com a sua imprevista ausência na posse dos novos ministros e secretários de Estado e as declarações críticas de Pires de Lima à mini-remodelação do Governo, efectuadas no Conselho Nacional do CDS - a sua divergência política em relação ao caminho seguido pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças.
Além da oposição surda de Portas - que não vê igualmente com bons olhos uma pasta do CDS, a Segurança Social, do ministro Mota Soares, ser a principal vítima dos cortes da despesa pública -, também a recente radicalização do discurso da UGT, que substitui no Congresso deste fim-de-semana a liderança de João Proença pela do novo secretário-geral Carlos Silva, veio ameaçar uma ruptura no acordo de concertacão social, um dos trunfos políticos do Governo para prosseguir as reformas e as medidas de ajustamento do programa da troika.
Acresce ainda que a proximidade das celebrações públicas do 25 de Abril e as comemorações do 1.° de Maio funcionou como factor inibidor, para o Governo, do anúncio de medidas que agravam a austeridade.
Passos recua e aprova medidas alternativas
Foi este conjunto de pressões, desde o CDS à contestação sindical, e o ambiente de divisão e bloqueio passivo entre os próprios ministros que levaram Passos Coelho a recuar, de domingo para quarta-feira, na sua estratégia de avançar já com os 600 milhões de cortes nas reformas estruturais do Estado.
E a substituí-las por um outro pacote de medidas de menor impacto imediato, tanto do ponto de vista político e de equilíbrio da coligação com o CDS como do ponto de vista das reacções sociais e sindicais que iria desencadear.
Desta forma, no Conselho de Ministros de quarta-feira, Passos fez aprovar um aumento de 600 para 750 milhões nos cortes da despesa corrente dos ministérios, um acréscimo de 50 milhões na poupança com as PPP rodoviárias (que sobe de 250 para 300 milhões por via da negociação ou, se necessrio, como foi sublinhado na conferência de imprensa da manhã de quinta-feira, por imposição de uma taxa fiscal), um travão ainda maior no investimento público (com a paragem de várias obras e projectos, como o túnel do Marão) e uma reafectação de verbas dos fundos comunitários do QREN, que no seu conjunto poderão ascender a 300 ou 400 milhões de euros.
Também a prevista saída de cerca de 20 mil funcionários públicos já este ano (reformas, rescisões amigáveis e contratos a prazo) contribuirá para o montante global chegar aos 1.200 milhões de euros que faltam em resultado dos chumbos do TC.
Refira-se que o total em causa após os cortes do TC era de 1.320 milhões, mas o Governo conta reduzi-lo em 120 milhões ao manter o corte de 6% nos subsídios de desemprego e de 5% nas baixas médicas por doença.
Trata-se de cortes chumbados no Constitucional, mas que o Executivo admite poder ultrapassar com a introdução de uma cláusula de salvaguarda para proteger os subsídios mais baixos e, assim, obter a concordância dos juizes.
O QUE ESTÁ EM CIMA DA MESA
Corte nas pensões públicas
Em convergência com os valores das pensões privadas
Redução para
50% dos vencimentos no regime de mobilidade
Equiparação gradual do horário
De trabalho no sector público ao do privado (de 35 para 40 horas)
Alargamento da idade de reforma
para 66 ou 67 anos
Maduro e a nova estratégia de abertura e diálogo
Paulo Portas, em viagem de Estado na Colômbia, esteve ausente do Conselho de Ministros.
E as longas 11 horas em que este se arrastou foram, deste modo, ocupadas essencialmente com a discussão do volume e das características dos cortes a aplicar, ministério a ministério.
Com a maioria dos titulares das pastas a argumentar que já têm «orçamentos abaixo de zero» e que dificilmente terão meios para assegurar o seu funcionamento nos meses finais do ano, quando as verbas já tiverem esgotado na totalidade.
O debate foi aceso e a dificuldade da aplicação deste corte de 750 milhões ficou patente no anúncio de que apenas será conhecido em detalhe no Orçamento rectificativo a apresentar em meados de Maio.
Na conferência de imprensa em que se anunciaram, apenas em linhas gerais e sem pormenorizar medidas, as decisões deste longo Conselho de Ministros estiveram os dois novos ministros, Poiares Maduro e Marques Guedes, o ministro da Defesa Aguiar-Branco e o secretário de Estado do Orçamento Luís Morais Sarmento, em representação de Vítor Gaspar que estava a caminho de Washington.
A novidade, além das explicações parcelares e inconclusivas sobre as medidas aprovadas, foi a intervenção de Poiares Maduro a colocar a tónica política na abertura do Governo ao diálogo com o PS e a oposição, tentando dar continuidade ao encontro de Passos Coelho com António José Seguro, e ao debate com os parceiros sociais na concertação.
O novo ministro chegou mesmo a falar na necessidade de um amplo consenso nacional para se estabelecer uma agenda para o crescimento económico e o emprego, indo ao encontro do discurso que Seguro e o PS vêm repetindo.
Subsídio transferido de Junho para Novembro
Já o secretário de Estado do Orçamento anunciou que, afinal, é o subsídio de férias que está a ser pago em duodécimos aos funcionários públicos e não o subsídio de Natal, que será pago em Novembro.
São cerca de 1.000 milhões de euros que estão em causa e cujo pagamento o Governo transfere assim de Junho para Novembro, aliviando as suas necessidades de tesouraria.
Também algumas verbas disponíveis do QREN poderão ser reafectadas às necessidades correntes de tesouraria dos vários ministérios.
Se alguns ministros não escondiam, no final, o seu desagrado pelo adiamento das reformas estruturais e o consequente agravamento dos cortes nos depauperados orçamentos dos seus ministérios, vão em sentido oposto às reacções do CDS.
O partido de Paulo Portas congratula-se com esta inflexão e há dirigentes que dizem mesmo que ao cortar no funcionamento dos ministérios «se está, finalmente, a cortar nas gorduras do Estado».
O problema, como antecipava ontem um ministro, é que «vamos chegar a Outubro sem verbas para pagar qualquer despesa e, como é habitual, serão os fornecedores do Estado a pagar a factura».
Ou seja, a ficarem com o pagamento das suas facturas ainda mais atrasado.