CANTINAS SOCIAIS NO LIMITE

CANTINAS SOCIAIS NO LIMITE

CANTINAS
SOCIAIS NO LIMITE

      Rita Porto                       Joana Ferreira da Costa
  rita.porto@sol.pt                      joana.f.costa@sol.pt

 

Disparou o número de portugueses a depender dos refeitórios sociais para comer.
Só a Segurança Social comparticipa 37 mil refeições diárias em mais de 700 espaços.
Pedidos não param de subir em todo o país.

Há uma romaria de pessoas a descer para a cave que fica ao lado da Igreja de Benfica.
É ali, longe dos olhares de quem passa na rua, que fica o refeitório social da Paróquia de Nossa Senhora do Amparo, em Lisboa.
Ainda faltam uns minutos para as portas se abrirem para o almoço e já uma dezena de pessoas está à espera de entrar.

 

José António, de 61 anos, é homeopata, mas depois de fechar o consultório há um ano, ficou no desemprego e depende deste refeitório social para conseguir ter uma refeição completa.
«Por mês só recebo 170 euros do Rendimento de Inserção Social e, se aqui não viesse, talvez passasse fome», conta, enquanto bebe o café, trazido à mesa por uma voluntária da paróquia.

O responsável por este refeitório diz que os pedidos de ajuda dispararam e que já não conseguem receber mais ninguém: «Estamos na capacidade máxima», refere ao SOL o cónego José Augusto Traquina, que diariamente acolhe 36 pessoas entre as 12hl5 e as 13h. A cantina, a funcionar desde 2009, 'custa' cerca de dois mil euros por mês e só sobrevive graças aos paroquianos, sendo das poucas qie não recebe apoios estatais através do Programa de Emergência Alimentar..

 

Mas mesmo as cantinas que têm apoio da Segurança Social (SS) - que paga 2,5 euros por refeição - já estão a rebentar pelas costuras. Neste momento, o Estado já comparticipa 37 mil refeições por dia em mais de 700 cantinas em todo o país.
Só que os pedidos não param de crescer de Norte a Sul.

Em Faro, a Santa Casa da Misericórdia (SCM) esgota diariamente as cem refeições por dia.
E em Portimão a SCM já não consegue ajudar todos os que ali vão com as 65 refeições acordadas com o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social.
Por ter uma lista de espera de mais de 40 pessoas, o provedor teve de arranjar alternativa: «Vamos começar a servir mais 20 refeições, suportadas por nós, até conseguirmos alargar o acordo com a SS», refere João Amado.

 

No Norte, a SCM do Porto vai abrir uma segunda cantina em Abril para conseguir aumentar de 100 para 200 as refeições servidas.
A gravidade das situações económicas dos utentes é tal que há quem não tenha sequer dinheiro para ir buscar a comida às cantinas. Assim, para chegar a todos os que precisam, a Misericórdia de Aveiro, por exemplo, tem acordos informais com várias instituições de solidariedade, como a Caritas local, para entregar as refeições aos utentes.
E a cantina social do Centro Social Santa Maria Sardoura, em Castelo de Paiva - que há três meses teve de alargar o acordo com a SS para 100 refeições - utiliza a carrinha dos apoios ao domicílio para fazer entregas em casa.

TRAZER REFEIÇÕES PARA O FIM-DE-SEMANA
O facto de muitos portugueses não terem outra forma de se alimentarem faz com que algumas instituições permitam que os utentes levem o almoço e o jantar ao mesmo tempo.
O Centro Social Nossa Senhora de Fátima, em Évora, autoriza mesmo que aos sábados quem lá vai leve logo a refeição para domingo, dia em que a cantina fecha as portas.

 

Em Lisboa, a situação também se está a agravar.
O Centro Paroquial de Alcântara teve de aumentar este mês o acordo com a Segurança Social para 70 refeições, devido à lista de espera, diz Isabel Brito, directora da instituição.

Para se poder ir comer ou buscar a marmita às cantinas contactadas pelo SOL tem de se estar inscrito e passar por uma avaliação financeira e social - com base em documentos que comprovem os rendimentos.
Aliás, dependendo dessa avaliação há alguns estabelecimentos que cobram aos utentes entre 50 cêntimos a um euro pela refeição

 

APOIO ESTATAL

 

37
mil refeições por dia
700
cantinas sociais
50
milhões de euros gastos no programa de Emergência Alimentar

 

SEM UM CÊNTIMO PARA COMER
No centro Social Paroquial de S. Jorge de Arroios, em Lisboa, são poucos aqueles que têm de pagar um valor simbólico pela refeição.
A esmagadora maioria dos utentes não têm nem um cêntimo para comer diariamente.

«Apoiamos com cem refeições a 55 pessoas, das quais 29 são crianças e jovens até aos 18 anos», explica o director técnico do centro, Pedro Cardoso.
«Das cem refeições, 93 são dadas a pessoas que não têm nenhum dinheiro para comer.
Outras cinco são para pessoas que têm entre um cêntimo e 4,95 euros por dia e apenas duas são fornecidas a quem tem entre 5 e 10 euros/dia», diz.

 

No centro é às 16h30 que se entrega o jantar e o movimento aumenta. Nesta terça-feira, a chuva não afastou ninguém.

Um adolescente de sweat-shirt e casaco entra acelerado.
Vem buscar refeições para toda a família.
A marmita de metal com sopa e o prato principal, pão e fruta são enfiados rapidamente num saco de desporto.
À saída, cruza-se com mais três pessoas que esperam a sua vez para ir buscar comida.
Quase todos desempregados.

 

«Até amanhã», vai dizendo Sousa, 60 anos, que durante oito anos foi fornecedor de restaurantes, num negócio próprio que não resistiu à crise.

Todos os casos ali atendidos são avaliados de três em três meses.
«Quem é apoiado assina um contrato com o centro onde se compromete, por exemplo, a procurar emprego», explica Pedro Cardoso.
«Queremos que as pessoas tentem melhorar a sua vida».
Apesar disso, os pedidos não param de aumentar e já estão a servir o máximo de refeições acordadas com o Estado.
«Estamos no limite da capacidade», reconhece.

 

Já a Misericórdia de Lisboa não tem qualquer protocolo com a Segurança Social, mas serve todos os dias uma média de 500 refeições, no Centro Social de Apoio dos Anjos, recorrendo a verbas próprias.
E os beneficiários são quase todos pessoas no limiar da pobreza: desempregados, sem abrigos e toxicodependentes.
«Este ano, só em três meses, já servimos mais de 40 mil refeições», revela ao SOL a directora, Ana Sofia Branco, explicando que em 2012 foram disponibilizadas 140 mil.


SEGURANÇA SOCIAL ANALISA SITUAÇÃO TODOS OS MESES
O Instituto de Segurança Social (ISS) diz estar atento ao agravar da situação.
«Serão feitos novos protocolos se essa necessidade for identificada», garantiu ao SOL a presidente do ISS, Mariana Ribeiro Ferreira, sublinhando que há um «acompanhamento sistemático de proximidade e monitorização do funcionamento», que «vai permitindo a resposta adequada às necessidades».

 

A criação da Comissão Permanente do Sector Solidário permite também que, todos os meses, representantes da SS, das Misericórdias, das Mutualidades e da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade se sentem à mesma mesa para discutir as necessidades.
«Através de uma avaliação de proximidade e sinalização imediata dos problemas, é garantida uma intervenção mais eficaz», explica a responsável, lembrando que o Programa de Emergência Alimentar, lançado o ano passado representou um investimento de «50 milhões de euros».


PERFIL DO UTENTE ESTÁ A MUDAR
Segundo os responsáveis das várias cantinas, o perfil dos utentes tem vindo a mudar.
A maioria dos que recorrem a este apoio são famílias - com ou sem filhos -, nas quais pelo menos um dos elemetos do casal está desempregado e com rendimentos muito baixos.
Aparecem ainda mães e pais solteiros, pessoas sozinhas desempregadas e reformados.

 

Eram pessoas como estas que enchiam a sala do refeitório do cónego José Augusto Traquina em Benfica.
Naquele dia ao almoço, Maria, uma desempregada de 54 anos, que há seis meses frequenta aquele espaço, não poupava elogios aos 22 voluntários que confeccionam, organizam e distribuem a comida: «O trabalho deles é de uma nobreza sem limites».

À sua frente, na mesma mesa, José, de 63 anos, também desempregado garante que ainda não entregou «os pontos todos».
E recusa baixar os braços: «Ainda posso ser útil à sociedade».