
«É CLARO QUE VAMOS SAIR DO EURO» por João Ferreira do Amaral

«É CLARO QUE VAMOS SAIR DO EURO»
João Ferreira do Amaral
Por Clara Ferreira Alves
Economista conceituado, professor universitário, foi conselheiro do então Presidente Mário ares de 1991 a 1996. Lamentando a dependência portuguesa em relação à Alemanha, defende que Portugal deve sair do euro continuando embora na União Europeia.
Foi a favor da CEE e contra Maastricht.
Foi uma voz solitária contra os perigos da assinatura de um Tratado com as consequências que se conhecem.
João Ferreira do Amaral, economista doutorado, professor do ISEG, consultor do Presidente Mário Soares de 91 a 96, acaba de publicar um livro onde explica "Porque Devemos Sair do Euro" (Ed. Lua de Papel).
Num restaurante de Lisboa com vista larga sobre o rio, pediu cabrito assado com batatas. Água. Mais nada.
Fala dos assuntos com a voz desapaixonada do técnico e do conhecedor.
Definindo-se como de esquerda, não é um combatente ideológico, aprecia as razões contra e a favor de uma saída do euro.
Também por razões "patrióticas", lastima a nossa dependência da Alemanha e da sua "óbvia" política de interesses, que não condena; "Quem não gosta de gerir a moeda única?".
Lê-lo é um exercício de clareza e de esclarecimento, e tem razão em muitas das coisas que aponta.
A saída deverá ser controlada para não ser traumática, e será um benefício para a economia.
Portugal continuaria na União Europeia e no espaço Schengen.
A história já lhe deu razão em quase tudo.
No fim do almoço, Mário Soares, que estava a almoçar no mesmo restaurante, sentou-se à mesa para conversar. "Tive-o como meu assessor, uma cabeça, mas não concordo com a sua visão da Europa.
A Europa vai aguentar o euro e Portugal".
Subitamente, passou de ser o idiota da aldeia para ser o homem do momento.
O que é ainda pior.
À luz do que se passa em Portugal, e muda todos os dias, acha possível sairmos do euro com essas condições que estabelece no livro, ordeiramente, civilizadamente, com apoio europeu, ou acha que já ultrapassámos esse ponto?
Penso que não, será de interesse mútuo.
Não ponho sequer a alternativa de ficarmos.
Nem com federalismo, união bancária, euro-bonds, perdão da dívida, etc.
Não.
Isso não resolve o problema.
Sair empurrado é possível mas penso que não é do interesse da Alemanha nem dos países satélites.
Vai causar muita perturbação.
Acho que pode haver um bom negócio para ambas as partes.
Quando se colocou a hipótese de a Grécia sair, temeu-se um efeito Lehman Brothers em grande. Com a saída de Portugal não aconteceria o mesmo? Ou poderemos ameaçar sair, renegociar tudo, obter um perdão, e depois não sairmos? A Grécia usou essa chantagem.
É um jogo muito perigoso.
Haverá risco sistémico se sairmos empurrados mas é do interesse deles evitar isso.
Podemos ter uma saída controlada sem perdão de dívida, para não haver falências de bancos.
Você fala em 30% de desvalorização na transição para a nova moeda. Isso é controlável?
Desde que entremos no Sistema Monetário Europeu, no mecanismo taxas de câmbio de hoje.
Existe a taxa de referência e a flutuação de 15% para cima e para baixo.
Se o BCE, com as autoridades nacionais, intervier para manter a moeda naquela banda de flutuação é perfeitamente possível.
E controlar a inflação?
Se controlar a taxa de câmbio controla a inflação.
É o risco maior.
Mas conseguimos viver com a inflação.
Num país que importa quase tudo o que consome?
Sempre foi assim quando desvalorizámos, em 77, 83, 84.
Importávamos tanto como hoje.
E ameaça de desordem social, como na Argentina?
Numa saída descontrolada, sim.
Pode a inflação comer os depósitos.
Se a saída for controlada, não há quebra de rendimentos significativa.
As pessoas não vão deixar de produzir menos. Isto não é instantâneo.
A desvalorização começa a dar resultado ao fim de um ano, ano e tal.
Depois, as exportações aumentariam e a produção para o mercado interno também, em concorrência com as importações.
Os bens não transacionáveis seriam arrastados, o que seria saudável.
Agora não é possível aumentar a procura interna.
PEREMTÓRIO « Masstrich, e depois o Tratado de Lisboa, é feito com base na recessão e na redução dos custos salariais»
Os bens não transacionáveis incluem as tais rendas, dependências difíceis de desmontar. Porque foram alimentadas pelo aparelho político.
Aí é que bate o ponto.
A questão é política, quem ganha e quem perde com isto.
Ganham os produtores de bens transacionáveis, agricultores, indústrias, turismo, etc.
Quem perde?
No princípio, os sectores virados para a procura interna, com estagnação.
Mas não há uma perda óbvia.
Pode haver grupos sociais que não acompanhem a inflação.
Os reformados, por exemplo.
Seria possível aliviar a carga fiscal.
E as prestações sociais?
O Estado decide o que quer fazer.
Se quiser mais inflação com mais prestações sociais, pode fazer isso.
Se quiser menos...
Mas as prestações sociais teriam sempre de aumentar, o que aumenta o risco de hiperinflacão.
E aí, o que me preocupa mais são os medicamentos, que são quase todos importados.
Teria de ser feito um programa especial para isso.
A despesa também não seria por aí além.
E os pilares do Estado social, Saúde e Educação?
Dependem do crescimento.
O maior inimigo do Estado social, o único, o importante, é a estagnação económica.
Sempre disse, é a minha filosofia, que este modelo europeu foi feito para acabar com o Estado social europeu.
Maastricht.
Todo o ajustamento económico, Maastricht e depois o Tratado de Lisboa, é feito com base na recessão e na redução dos custos salariais.
No livro, fala na sobreposição de um modelo conservador e no facto de a moeda única ter sido desenhada sobre o marco alemão, nas condições ideais para a Alemanha. Como pode tanta gente ter estado errada durante tanto tempo?
Não sei e não tenho explicação mas não faltaram avisos, nomeadamente de economistas americanos importantes.
Chamaram a atenção para o que isto ia dar.
O que se disse era que a América não gostava do euro.
Não sei, de facto.
Eu acho que a Alemanha é muito óbvia.
Em Maastricht, criou o euro à imagem do marco e não aceitou nada que não fosse aquilo.
Fez o alargamento a Leste em 2004.
Depois eliminou os pequenos países com o Tratado de Lisboa e agora fez o Tratado Orçamental.
O alargamento era o prolongamento do espaço vital alemão.
Entrámos no euro sem referendo, o que você condenou. Deveríamos sair com referendo?
Visto que não entrámos com um, não há razão para precisarmos de um para sair.
O problema que vejo no referendo é a sua exequibilidade.
Pode um grupo político avançar com uma decisão dessas, com os riscos implícitos, sem consulta da vontade popular?
O problema nem é só esse.
Um político que queira ascender à direção de um partido tem muita dificuldade em anunciar que vai pôr a questão.
Era bom haver um referendo, mas qual o político que o patrocinava?
Nunca foi a favor da livre circulação de capitais no mercado interno.
Os limites à livre circulação não são contra as regras em estado de emergência.
Desde os anos 30 que se sabe que a livre circulação de capitais não é uma coisa boa.
Por isso é que se fez o Bretton Woods em 44.
Como a humanidade esquece tudo, nos anos 80, a liberdade de circulação de capitais foi vendida como uma panaceia social.
O capital gosta dos benefícios sem a responsabilidade.
E não gosta de pagar impostos.
Acho que se vai parar outra vez a uma coisa do género, não-livre circulação.
A humanidade demora a reaprender.
A livre circulação no mercado interno deu a explosão do Sistema Monetário Europeu em 92.
E depois foram para as bandas de flutuação de 15%, que fazia sentido e que foi um argumento para a moeda única.
Não considera o facto de serem as pessoas, ao cabo de anos de austeridade e de recessão, a quererem sair do euro? Um clamor à margem dos partidos?
Não tenho a noção do que isso representa em Portugal, embora seja abordado na rua.
O euro nunca foi popular em Portugal, pelas más razões e não por culpa do euro.
As pessoas com mais baixos rendimentos confundiram o euro com 100 escudos e sentiram isso.
O euro foi associado a maior inflação e aumento de preços.
Talvez haja um clamor, daqui a uns tempos.
E os grupos económicos, a banca?
A banca não gosta de tudo o que mexe com o statu quo.
Os outros sectores não.
Mesmo os que têm rendas começam a ter problemas.
Os problemas de Portugal têm a ver com a moeda única? Os problemas estruturais mantinham-se.
O grande problema da moeda única é que não nos permite resolver esses problemas estruturais.
Cria um bloqueio.
Estamos pior agora do que em 99.
Temos 13% de indústria quando tínhamos 20 e tal, não estamos mais competitivos, temos um endividamento que até convém não pensar nele.
Temos um desemprego que nunca tivemos.
Como seria paga a dívida externa nesse cenário de saída ordeira? Na desordeira, não pagávamos.
Seria o cenário argentino.
Teríamos dois anos infernais e depois resolvia-se.
O pior são os dois anos, do ponto de vista democrático.
A violência, a bandidagem... a dívida externa, a pública só me preocupa na medida em que é externa, é brutal.
A forma de pagar é gerar excedentes na balança de pagamentos e isso só com desvalorização cambial.
As pessoas não sabem o que é gerar excedentes. A pergunta que fazem é se não ficamos ainda a dever mais, devendo em euros e tendo uma moeda desvalorizada.
As pessoas confundem moeda externa com moeda interna.
A dívida em euros, a que interessa, mantém-se igualzinha à que estava antes.
Pa¬ra pagar essa dívida em euros, temos de receber mais euros do que pagamos ao exterior.
Isso faz-se desvalorizando a moeda, um instrumento clássico.
Os processos de desvalorização interna que vão sendo aplicados, TSU, salários, etc, não dão resultado.
Como é que o dinheiro aparece? Não podemos emitir mais moeda para pagar dívida.
Aparece porque vamos exportar mais, os excedentes, sem ser à custa da procura interna como agora
Mas isso não nos vai deixar perpetuamente empenhados? A pagar uma dívida brutal que absorve todos os excedentes?
A dívida interna é canja, a externa não.
Mas ficamos com mais capacidade para a pagar.
E quando demonstrarmos que temos a capacidade de pagar, temos de renegociar.
E os mercados?
O Estado deixaria de recorrer aos mercados, passava a financiar-se a si próprio.
Teria de pagar o que deve externamente e passava a financiar-se internamente.
O que não conseguisse internamente, teria de pedir lá fora.
Não vejo como se passa por isso sem uma inflação que pode descontrolar-se.
É um risco, não conheço nenhuma situação destas em que não se saia com inflação.
A Alemanha não se preocupa com a nossa porque havendo desvalorização cambial a inflação não se transmite.
A inflação é uma situação que associamos a países em desordem político-social, não democráticos, ou subdesenvolvidos. Veja-se a vitória que representou o controlo da inflação no Brasil. Agora que esses países toda América Latina têm a inflação controlada, vamos voltar a esse regime?
A inflação associa-se a países endividados.
Como é que vê estes desenvolvimentos pós-Tribunal Constitucional? Mais cortes.
Aqueles 4 mil milhões, nunca achei que fossem cortados.
Os milhões que dá esta decisão até se podem cortar, se não for num ano em dois. Não é por aí.
E poderá outro governo fazer diferente? Dado o quadro interno e externo?
O externo é nebuloso, nunca sei o que se passa nas negociações da troika.
Não sei qual a margem de manobra ou a vontade do Governo.
O grande erro desta política foi exagerar na austeridade.
É possível aplicar uma política com menos austeridade e melhores resultados orçamentais.
E o desemprego?
O desemprego é a falta de emprego.
Fatal.
Não pode durar dez anos.
Se saírem 80 mil jovens por ano, são 800 mil ao fim de 10 anos.
Insustentabilidade demográfica.
DIAGNÓSTICO « As sociedades modernas não aguentam a estagnação mais do que dois ou três anos. Começa tudo a cair»
O Estado investiu na educação de jovens, e consideravelmente, e exporta-os gratuitamente. A política estúpida convidar jovens a emigrar.
O problema é a sustentabilidade demográfica.
As sociedades modernas não aguentam a estagnação mais do que dois ou três anos.
Começa tudo a cair.
Temos de forçar o crescimento. Através da desvalorização.
Mas a política europeia é a austeridade. Da Holanda à Grã-Bretanha está tudo em austeridade.
O enquadramento de Maastricht obrigou os governos a que fossem todos conservadores, mesmo os sociais-democratas.
Basta que um seja para os outros terem de alinhar.
Costuma dizer-se que a Alemanha sairá disto tão mal como os outros, mas será assim? A Alemanha vê os seus bancos a recapitalizar-se, toda a gente está a meter lá o dinheiro... e com uma economia capacitada para absorver os choques, com uma moeda forte como o marco, sairia a Alemanha tão mal do fim do euro? A sua zona de interesse continua a norte e leste, a periferia do sul não lhe interessa. A Alemanha recupera bem, como se sabe.
E está a receber o nosso capital humano muito barato.
Sai muito reforçada e a estratégia alemã foi muito inteligente.
Criou o seu espaço a leste, que inclui a Polónia, e poderá fazer uma refundação do euro.
E fez tudo segundo as regras, porque os outros concordaram.
A Grécia não saiu logo porque a Alemanha precisou de tempo para se defender.
A Grécia e Portugal não são agora um problema para a Alemanha e acho que eles são capazes de concordar com a saída.
A inflexibilidade da Alemanha não obedece a um desejo de reestruturar economias periféricas com problemas mas a um desígnio estratégico distinto.
Que é nacional.
Não é da sra. Merkel.
Que acha do argumento, avançado em Portugal, de que o contribuinte alemão não deve ser chamado a pagar os desmandos de países endividados, não competitivos, corruptos, e com as contas trapalhonas?
Eles têm razão neste aspeto.
Vamos supor que a Guiné-Bissau precisava de um montante grande nosso.
O clamor que se ouviria por aí...
Não acuso a Alemanha, acuso os outros países de a deixarem livre para fazer o que quer.
Se sairmos, o que acontece? Regressamos ao escudo e ficam no euro a Espanha e a Itália, ou saímos todos? Implica desagregação?
Não implica desagregação.
O único país que precisa de sair como nós é a Grécia.
Se fosse irlandês, não sairia do euro.
A Irlanda não tem um problema económico, teve uns safados do sistema financeiro que deram cabo daquilo.
Antes de fazerem as grandes reformas desvalorizaram a moeda, tal como os finlandeses.
O nosso problema é económico..
Penso que a Espanha é capaz de se manter no euro.
Aquilo foi muito originado pelo sistema financeiro e o imobiliário.
Se eles ficarem e nós sairmos, pode ser mau para Espanha.
Ficamos muito mais competitivos e pode haver oposição da Espanha à nossa saída.
Se a Espanha também saísse era ótimo, não vamos competir com a Espanha.
Mesmo no turismo, o nosso problema não é a Espanha, são as Caraíbas e os outros lugares que disputam os turistas com preços em dólares, mais baratos cada vez que o euro se valoriza.
Faz sentido que enquanto estamos nisto se retomem as negociações com a Turquia, nosso rival no turismo, e se fale em mais alargamento?
A Europa não tem instituições para lidar com os 27.
Com a Croácia e Turquia não vejo bem como se faz isso.
Mas nunca achei que o alargamento fosse plausível.
A Turquia nunca entraria para a zona euro, só se fossem parvos.
Também não estava nos planos da Alemanha que nós entrássemos.
Eles sabiam bem que aquilo não era feito para nós.
A moeda é o principal problema.
Sim, porque nem a desvalorização de salários, a não ser que fosse brutal, é uma alternativa.
As dívidas não descem.
A dívida das famílias aumenta em termos reais e em termos de competitividade externa, de melhoria de preços das exportações, é um terço disso, 9%.
Absurdo.
Teriam de descer 90% os salários para conseguir competitividade de 30%.
Escreve que a nossa elite não presta. Eu concordo. Foi sempre assim historicamente? Sempre tivemos um corpo pequeno para um império grande. E ingovernabilidade.
E uma grande dificuldade em fazer o que é preciso, ao contrário dos ingleses.
Eu comparo isto à descolonização.
O Salazar não a quis fazer porque era o regime dele que ficava comprometido, o que percebo.
O Caetano foi a mesma coisa, inventou uns dramas e não descolonizou, a situação degradou-se na guerra e acabou a fazer-se a descolonização nas piores condições possíveis.
Isto vai ser a mesma coisa.
Falta de coragem.
As suas teorias começam a ser apropriadas pela franja esquerda. Comunistas, bloquistas não se percebe. Invocando razões patrióticas, que você também invoca. Mas se estas ideias forem assim usadas, o centro coloca-se por prudência na posição oposta e não as aceita. Passa a ser um jogo de arremesso.
O Partido Comunista, o Bloco não existia, sempre foi contra a nossa entrada no euro.
Você não defende a coletivizacão da economia.
Não.
Mas isso era mais importante para a não entrada na CEE do que no euro.
Eu não era contra a entrada na CEE.
O Bloco nunca foi contra a moeda única, acha que desde que se dê a volta às instituições comunitárias a moeda única pode funcionar.
Eu acho que não há volta possível.
Se o PC, que controla os sindicatos, a função pública, apoiar a saída, isso pode ajudar à paz social?
Não sei se o PC pode aparecer a defender isso, porque há grupos sociais ligados ao PC que podem hesitar no que têm a perder ou a ganhar com a saída.
Você é de esquerda? Acusa a esquerda social-democrata, socialista, de ter cometido um erro colossal com o euro.
Sou de esquerda.
A minha área é essa, social-democracia.
Mas nos anos 90 cometeram um erro, ficaram cheios de complexos com a União Soviética.
E quando falava com agentes políticos e lhes fazia ver o erro que é que lhe respondiam?
Até faz sentido o que diz, mas entramos à mesma.
Cavaco Silva foi um homem que esteve na linha da frente desse processo durante anos, duas maiorias absolutas. Economista
Nesta fase da caminhada para a moeda única circulava uma teoria económica da moda, a de que tudo se ajustaria e que os aspetos monetários não eram importantes.
Os tais economistas americanos alertaram para isso, o Solomon, o Modigliani, não muito depois de Maastricht em 95.
Fizeram um manifesto.
Repare que nos critérios para a entrada na moeda única, nenhum tinha a ver com a economia real.
Era saber se havia défice ou não havia défice.
E quando se ultrapassava o défice, os mercados financiavam.
Ninguém se preocupou na Europa. Era óbvio que Chipre ia acontecer, depois do perdão da dívida grega. Como é que se ficou à espera da bancarrota? E qual é afinal o papel da Comissão Europeia, com o português Barroso, nisto tudo?
Exatamente.
O presidente da Comissão Europeia é, na parte económica, um desastre.
Nas outras, faz o que lhe é pedido, sem pensamento próprio nem competência técnica, o que me aflige.
Na Europa, deviam ser mais inteligentes.
E se a Europa se desintegrar? O que é que nos aconteceria?
Seria a tal saída desordenada, tínhamos um pretexto para não pagar a dívida.
O risco é maior.
Teria de se gerir isto com não-circulação de capitais, racionamento de alguns produtos...
Não sei se seria declarado o estado de emergência.
Acho difícil a desagregação do euro, não há razões para isso.
Só se a Itália e a França entrarem em colapso.
A saída de um país deve fazer-se dentro da estabilidade da zona euro.
Um divórcio de comum acordo, em vez de litigioso, teria de ter uma elite a geri-lo. A mesma que você acusa de não ter estado à altura.
A nível dos partidos, começa a haver pessoas.
Hoje é impossível a um político jovem, mesmo sem vícios, num partido de governo, vir dizer que é a favor da saída do euro.
O euro aumentou a nossa qualidade de vida, os salários, trouxe crédito, património, benesses. O tal progresso. É natural que as pessoas não queiram saltar para o vazio. Muitas não perceberam que isso pode ter acabado para sempre, dentro ou fora do euro.
Penso que já perceberam.
Temos um sistema educativo que privilegia a circulação internacional de estudantes, cidadãos do mundo global, com programas, bolsas, projetos de investigação, etc. A saída do euro acabaria com isso, devido aos custos excessivos. Acabaria com as viagens, essenciais para o cosmopolitismo. Este medo foi sentido na Grécia, quando se falou do euro.
Concordo com essa educação mas penso que não deixariam de circular, mas com mais dificuldades.
Como os da Ucrânia, e outros países.
Não quero viver como na Ucrânia. Ninguém quer.
A alternativa é deixarmos de circular, completamente.
Quer dizer que a elite continua a circular, os outros é que não. É um retrocesso.
Equaciona-se o que é sair mas nunca se equaciona o que é permanecer.
Vamos a isso. O que acontece se isto continuar assim?
O regime não aguenta.
É impossível aguentar este desemprego, esta emigração, mantendo a recessão sine die.
Não aguentamos até 2018.
Aguentámos dois anos sem grandes perturbações porque as pessoas têm reservas, que se vão acabar.
Fora o fim dos subsídios de desemprego, etc.
Não há milagres.
O que acha da teoria neoliberal de que o Estado, com as almofadas, impede as pessoas de sair da sua 'zona de conforto', de serem empreendedoras? A imitação do espírito pioneiro americano.
Não conheço nenhuma experiência histórica em que um país se tenha desenvolvido pelos cadernos neoliberais.
Mesmo os Estados Unidos, com toda a iniciativa privada, tiveram um Estado fortíssimo a ajudá-los.
No debate, confunde-se muito o Estado com burocracia.
O Estado intervém em coisas onde não interessa, licenças, etc.
Fora as capelas partidárias, sobretudo locais.
Existem graves deficiências nos partidos, nos seus financiamentos, corrupções, clientelas, amigalhaços, que transitam para a Administração Pública. Somos uma sociedade cartelizada, de clubes. A banca, os grupos, as famílias, os agentes económicos poderosos. O corpo político nunca conseguiu emancipar-se disto. Como é que se espera que esta elite, que gosta de passar por cima da lei ou de a torpedear, que gosta de expedientes, vai gerir a saída do euro com toda a convulsão e oportunidade de negócios subterrâneos? A regra europeia uma vez posta de lado, acomoda a selvajaria e oportunismo. Existe um problema de confiança. Entre esse risco e a estagnação... Não somos a Dinamarca. Nem a Noruega. Não sei se com estes tipos nos devemos sentir descansados para sair do euro.
Podemos dar mais voz a agentes essenciais que foram maltratados durante estes 20 anos.
Os sectores transacionáveis, indústria, agricultura... se essas vozes não se fizerem ouvir, o país desaparecerá.
São elas que lhe dão sustentação.
E os fundos, foram bem gastos? Toda a gente tem culpas nesse cartório.
Toda, mas o grande falhanço foi a formação profissional.
Não sabíamos fazer, nunca tínhamos feito.
Dinheiro mal gasto.
Na parte da infraestruturas, as estradas eram necessárias, embora depois se exagerasse.
E não se ligou aos portos e aos comboios.
Nunca analisei, na parte da indústria, o efeito do euro.
Não sei se a deriva anti-indústria já vinha de antes ou não, creio que não.
Singapura, cidade-estado, tem uma rentável indústria metalomecânica pesada, que nós tínhamos e desmantelámos.
O triângulo poder local/bancos/imobiliário tem dado cabo de muitas economias.
Embora cá não tenha sido tão grave como em Espanha.
Se ganhar X na metalomecânica e verificar que, ao lado, ganha o triplo na especulação de terrenos, o que é que vai fazer?
Toda a gente fez, porque os incentivos eram esses.
O pior foi que passámos 20 anos a degradar-nos sem nos apercebermos.
Não vê nenhum risco na nossa saída do euro?
Vejo imensos.
Pode correr mal.
Pode gerar-se um pânico.
Chipre admirou-me um bocado, foi calmo, e os controlos de capitais funcionaram mesmo.
Não tinha a certeza disto nesta era da internet.
O pânico pode ser minimizado.
Se a economia crescer e a banca voltar ao seu negócio de emprestar dinheiro, não vejo razão para que as pessoas não tragam o dinheiro de volta para Portugal.
As pessoas fazem perguntas concretas sobre a vida delas. Se tiverem uma dívida ao banco de uma casa, como é que essa dívida vai ser paga? Em euros? Em escudos?
Acho que o Estado se deve substituir ao devedor na proporção que resulta da desvalorização cambial.
Pode fazer um empréstimo junto do Banco de Portugal.
A outra hipótese é a bonificação da taxa de juro.
Ou se reduz o capital ou se reduz a taxa de juro.
O euro continuará a correr em Portugal, com a liberdade de circulação de .. capitais.
Depois da desvalorização e quando tudo estabilizar, claro.
Há quem ache que isto se deve passar tipo Big Bang.
Mas não creio que se possa manter em segredo a saída do euro.
A decisão de sair é que pode ser mantida em segredo a alto nível.
Isso não é antidemocrático?
Admito que possa vir a ser votado.
Pode haver uma sessão parlamentar, à noite, na véspera de um feriado.
Haverá um período de transição, para resolver coisas práticas.
As máquinas têm de ser alteradas, por exemplo.
Tem de se impor os limites à circulação de capitais.
O anúncio devia ser simultâneo em Portugal e Bruxelas.
E com o acordo do BCE.
Sem economia subterrânea, mercado negro, trapalhice?
Trapalhice houve sempre, só não houve com a brutalidade, como com o marquês de Pombal.
E temos a mania da expropriação, os judeus, os cristãos-novos, as ordens religiosas, os grupos económicos, agora, estamos a expropriar os reformados.
Mercado negro só se houver regras para violar.
As restrições à troca de moedas nunca poderão ser prolongadas, por causa das leis comunitárias.
Se as pessoas tiverem o dinheiro em euros têm uma taxa de juro mais baixa, se tiverem em escudos têm mais alta.
Algumas deslocalizações não se fariam, etc.
Não há alternativa à saída.
Se a Alemanha perdoar a dívida, o que pode fazer, fá-lo de modo a que fiquemos amarrados.
E voltamos ao mesmo, sem actividade económica.
É um buraco negro.
Não há autonomia política sem instrumentos de política económica.
Ficamos na situação do interior português em relação ao litoral.
Passamos a ser o Nebrasca da Europa.
A nossa vida imperial demonstra que gostamos da sombra da bananeira.
O império africano implicou muito trabalho.
A Europa foi chegar e sentar a pedir dinheiro.
O alargamento foi péssimo para nós, e sabíamos, mas pulámos de contentes com uns fundos a mais.
Os agentes políticos foram de uma grande irresponsabilidade.
Foram.
As nossas elites foram sempre fraquinhas mas é raro um falhanço tão grande como o da política europeia.
Vamos sair do euro, mas não sei as voltas que a Europa dará, e não tenho o otimismo europeu de Mário Soares.
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