ISTO NÃO FAZ SENTIDO NENHUM - Vicente Jorge Silva O Arco e a Flecha

20-04-2013 16:38

ISTO NÃO FAZ SENTIDO NENHUM
Vicente Jorge Silva
O Arco e a Flecha

Para que serviu a encenação grosseira de um consenso políti¬co impossível entre uma maioria governa¬mental esquizofrénica e o principal partido da oposição?

«Isto não faz sentido nenhum!»: esta exclamação de espanto doloroso contra o absurdo foi lançada por uma mulher que acabara de perder a filha nos atentados terroristas durante a maratona de Boston.
Como resumir melhor o que acabara de acontecer, essa absoluta falta de sentido de um acto bárbaro que manchou de horror uma histórica e pacífica prova desportiva?

 

Regressava o fantasma do 11 de Setembro, embora não se soubesse ainda, à hora em que escrevo, qual teria sido a mão sinistra que, utilizando engenhos primitivos, programara a morte de desportistas e cidadãos anónimos, transformando a festa em tragédia. Para conseguir o quê?
Para atingir o quê?
Para ajustar contas com quem?

Não há qualquer explicação para essa ausência de sentido, a não ser, porventura, a loucura e o Mal.
Mas talvez por ter passado recentemente dez dias felizes em Nova Iorque interiorizei este drama com um intenso sentimento de proximidade.
Actos semelhantes sucedem-se quase todos os dias em países mais ou menos longínquos - Paquistão, índia, Bangladesh, Iraque, Afeganistão, para não falar nos massacres quotidianos na Síria - mas essa banalização tornou-nos praticamente indiferentes na nossa impotência.
É a demência do mundo em pleno funcionamento e à qual nos fomos habituando.
Até que, de súbito, despertamos do sono e enfrentamos, acordados, o horror de um pesadelo real e próximo (no meu caso, como se estivesse ainda em Nova Iorque).
Porquê?
Porquê?

 

Mas não é apenas a violência gratuita e assassina que nos faz exclamar como aquela mãe de Boston: «Isto não faz sentido nenhum!».
Mesmo sem atentados terroristas contra gente pacífica, há razões para nos interrogarmos, por exemplo, sobre o sentido do que acontece neste país onde vivemos ou nesta Europa a que hoje estamos traumaticamente ligados por laços cada vez mais asfixiantes.

Que sentido faz o que aconteceu esta semana, as reuniões com a troika ou do primeiro-ministro com o líder do PS, a nova ofensiva
da política de austeridade decretada pelo Governo e seus tutores e aliados externos?
Para que serviu a encenação grosseira de um consenso político impossível entre uma maioria governamental esquizofrénica e o principal partido da oposição, quando os chefes do Governo, Passos e Gaspar, só se ouvem a si próprios (além de se submeterem fervorosamente à troika) e prosseguem as guerrilhas internas da coligação, inclusivamente dentro do PSD?

 

Para que serve um Governo em processo de implosão e incapaz de se remodelar, apostando em remendos cuja lógica escapa ao entendimento mais elementar?
O hipercredenciado académico Poiares Maduro assumiu posições públicas marcadamente contrárias à doutrina governamental, como a defesa dos eurobonds, mas não resistiu ao apelo de aparecer como ministro-salvador.
E o colunista do Público Pedro Lomba preferiu também render-se ao perfume do poder, depois de tanto fazer gala da sua independência intelectual.
Mas que poder real terão estas excelsas personalidades em confronto com o irredutível e irredimível Vítor Gaspar?

Para piorar as coisas, se o Governo se encontra em estado avançado de decomposição, para que serve um Presidente da República impotente para extrair as consequências da sua própria inconsequência?
O poder político está decapitado em duas frentes decisivas e isso explica porque é que ficámos definitivamente reféns da troika e seus mandantes.
Ora, isto também não faz sentido nenhum.

 

Estamos fartos de saber que o Governo e a troika falharam estrondosamente as suas previsões, que tudo aconteceu ao contrário do planeado, que a situação de Portugal corre o risco de se tornar ainda menos gerível do que a da própria Grécia.
E, no entanto, ninguém - em Portugal, na Europa ou até no FMI, apesar da doutrina defendida pelos seus chefes sobre os malefícios de uma austeridade inibidora do crescimento económico - é capaz de aprender com a gravidade dos erros cometidos.
E insistem todos em bater com a cabeça contra a parede, à espera de que desse embate se faça luz - a luz redentora do crescimento e da retoma do emprego.

Quando estive em Nova Iorque, procurei sem sucesso notícias sobre Portugal no New York Times.
Esta semana, o conselho editorial do diário americano, o seu órgão colegial mais importante, decidiu preocupar-se connosco - e com a Europa: «Há mais de dois anos -escreve o conselho editorial do NYTimes - que os líderes europeus têm imposto um cocktail de austeridade orçamental e de reformas estruturais em países debilitados como Portugal, Espanha e Itália, prometendo que isso seria o tónico para curar as maleitas económicas e financeiras, mas todas as provas mostram que estes remédios amargos estão a matar o paciente».

 

Não fará todo o sentido a recusa de António José Seguro em ficar refém daquilo que não faz sentido nenhum?
 

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